Atualizada em 02/03/2025 08:09 3f3541
Foto: MAL NA FOTO - Presidente posa com alimentos: relação indigesta com setor que produz 22% do PIB (Ricardo Stuckert/PR)
As declarações de Carlos Fávaro implodiram de vez a relação dele com a Frente Parlamentar da Agropecuária emcaso que fragiliza imagem de Lula 2kb38
Sempre que é instado a falar sobre a dificuldade em apresentar marcas de seu terceiro
governo e reverter a tendência de queda de sua popularidade, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva costuma dizer que 2023 e 2024 foram anos de plantio, com a
implementação de reformas, retomada de programas abandonados pela gestão anterior e
implantação de novas ações, e que este ano será o da colheita, com a apresentação dos
resultados. A metáfora, no entanto, não parece ser das melhores. É justamente no campo
que o presidente tem encontrado um dos focos mais importantes e estruturados de
resistência a seu governo. E, nos últimos dias, o clima, que nunca foi bom, deteriorou-se
por conta de declarações e ações desastradas. Elas não só aumentaram as críticas do
agronegócio, como pam na berlinda o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que
chegou ao cargo exatamente para ser uma ponte com o setor.
ABALO - Fávaro e Lula: interlocução com lideranças ruralistas ficou prejudicada (Ricardo Stuckert/PR)
O mais recente entrevero teve, aliás, o ministro no centro do imbróglio. Em meio a uma
crise de imagem alavancada especialmente pela alta dos preços dos alimentos, o
Tesouro Nacional anunciou, de forma surpreendente, a suspensão de novas linhas de
financiamento agrícola do Plano Safra — que em julho o governo declarou ser o “maior
da história” — com uma justificativa técnica: o aumento dos custos para equalizar os
juros devido ao atraso na votação do Orçamento de 2025, que ainda não foi aprovado
pelo Congresso. A decisão atingiu grandes produtores e poupou os pequenos porque não
englobou as operações de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf). Ao justificar a suspensão, o ministro Carlos Fávaro
atacou o Congresso e a bancada ruralista, a quem pediu que deixasse de “conversa
fiada” e ajudasse a votar a lei orçamentária. “A gente hoje vive uma intolerância por
parte do Congresso, principalmente da bancada do agro, que, se estivesse pressionando
pela votação do Orçamento, não estaríamos ando por isso hoje”, afirmou. A Frente
Parlamentar da Agropecuária (FPA) reagiu. Em nota pública, afirmou que a suspensão
foi impulsionada pela falta de responsabilidade fiscal do governo e pela desvalorização
da moeda. “Culpar o Congresso Nacional pela própria incapacidade de gestão dos
gastos públicos não resolverá o problema”, diz o texto. “A má gestão impacta no
aumento dos juros e impede a implementação total dos recursos necessários”, completa
o documento.
O sinal de alerta foi ligado imediatamente no Planalto. Monitoramento feito nas redes
sociais após o anúncio constatou que já circulava até a versão de que o Plano Safra iria
acabar. Escaldado pelo episódio do Pix, quando uma medida técnica do governo virou
arma para a oposição desgastar o governo, os ministros se adiantaram em afirmar que
não haveria descontinuidade no financiamento. Quatro dias depois, o governo editou
uma medida provisória que abre crédito extraordinário de 4,18 bilhões de reais para
garantir a execução do Plano Safra. A decisão foi tomada após uma interlocução entre o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o chefe da Secretaria de Comunicação Social
(Secom), Sidônio Palmeira, e o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Vital
do Rêgo. O cuidado foi tomado para que a medida fosse, ao mesmo tempo, responsável
do ponto de vista fiscal, para evitar as temíveis “pedaladas” que já custaram o mandato
de Dilma Rousseff, e divulgada de forma a não prejudicar mais a imagem do governo. O
anúncio deu alívio, mas não acalmou o setor. A avaliação de representantes do segmento
é que o dinheiro da MP dará uma folga de três a quatro meses, mas ainda há forte
preocupação em relação ao Plano Safra do próximo ano, cuja formatação ainda nem
começou a ser discutida.
O episódio dificulta ainda mais a interlocução do governo com o agro, principalmente
com sua representação no Congresso. As declarações do ministro Fávaro implodiram de
vez a relação dele com a Frente Parlamentar da Agropecuária, que reúne 302 de um total
de 513 deputados (veja o quadro). “Não há conversa. Não tem diálogo”, resumiu o
presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR). Segundo ele, o interlocutor do
setor, não só para o Plano Safra mas também para outras questões, será Haddad. A
posição da entidade enfraquece Fávaro no momento em que Lula discute fazer trocas no
primeiro escalão — na terça 25, Nísia Trindade foi substituída por Alexandre Padilha
no Ministério da Saúde e há forte especulação de que haverá mais mudanças. Fávaro é
ligado ao setor, foi presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado
de Mato Grosso (Aprosoja-MT) e da Cooperativa Agroindustrial dos Produtores de
Lucas do Rio Verde-MT (Cooperbio Verde). Em sua gestão, o ministro enfrentou outras
crises, como a alta de preços dos alimentos da cesta básica e o episódio da tentativa
frustrada de realizar um leilão de arroz para forçar o preço do produto, encerrado em
meio a denúncias de irregularidades (veja o quadro).
Os ruídos recentes só reforçam o posicionamento de um setor que votou
majoritariamente em Jair Bolsonaro em 2022 e que tem pautas diametralmente opostas a
bandeiras defendidas pelo presidente, pelo PT e pela esquerda, como demarcação de
reservas indígenas, medidas de ampliação de terras para quilombolas e reforma agrária
no campo em contraposição à defesa da propriedade privada. No Congresso, os
representantes do segmento estão à frente de iniciativas como o marco temporal, que
limita a demarcação de terras a áreas ocupadas pelos povos originários até a aprovação
da Carta de 1988 — e que tem oposição do governo —, e o pacote “anti-invasão”,
pensado para combater, principalmente, as ações organizadas pelo Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), um velho aliado de Lula e do petismo. O vicelíder da oposição, Evair de Melo (PP-ES), presidente da Comissão de Agricultura,
Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara, diz que o grupo tem força
e difere de outros no Congresso por ser coeso, com bandeiras bem definidas e capital
político e econômico. “Os deputados do agro são ligados a valores da família e da
tradição, são conservadores nos costumes, e isso bate de frente com o governo, que é a
favor de movimentos revolucionários e contra a propriedade privada”, afirma, citando
decreto publicado recentemente que dá poder de polícia à Funai para proteger terras de
comunidades originárias. A turma do agro teme que isso dê margem para uma atuação
militante contra os produtores. “Por isso, não há chance de fazermos qualquer
concessão”, completa Melo.
PRESSÃO - Protesto no Rio Grande do Sul: setor pede mais dinheiro (Fetag-RS/Divulgação)
O prejuízo para o governo com o desgaste dessa relação é amplo. Primeiro, porque o
agronegócio é hoje um dos principais segmentos da economia brasileira, responsável
por 22% do PIB brasileiro, segundo estimativa do Cepea/Esalq/USP. Também responde
por 30% da geração de empregos e é parte relevante da balança comercial do país. Não
bastasse isso, há o risco de o outro lado do espectro político se aproximar cada vez
mais do setor.
OUTRO LADO - Tereza Cristina: ex-ministra é voz do agro na oposição (Pablo Jacob/Governo do Estado de SP//)
Enquanto Lula se via no meio da crise com o agro por causa do Plano Safra, um de seus
potenciais adversários para 2026, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas
(Republicanos), trocava afagos com o setor, em meio a críticas ao governo federal. No
evento Nosso Agro Tem Força, organizado pelo governo paulista, a ex-ministra da
Agricultura de Bolsonaro, Tereza Cristina, senadora pelo PP-MS, criticou “narrativas”
que atrapalham o setor e chegou a afirmar que Tarcísio foi eleito pelo agro. Ao
discursar, o presidente da FPA, Pedro Lupion, parabenizou Tarcísio pela valorização
dos produtores de São Paulo. O governador respondeu usando o mote do evento. “Nosso
agro tem força porque as pessoas que fazem o agro têm força”, disse. Em seguida,
alfinetou o governo Lula pela suspensão do Plano Safra: “Se está faltando dinheiro lá,
por aqui não falta, porque teremos o Fundo de Expansão do Agronegócio, com o maior
recurso da história”.
CONTRAPONTO - Tarcísio: afagos ao setor durante evento em São Paulo (Pablo Jacob/Governo do Estado de SP//)
A trapalhada do governo ao se complicar no anúncio de uma medida para um setor tão
estratégico não é, claro, nenhuma novidade — mais que isso, tem sido padrão no
terceiro mandato de Lula. Não fosse pela importância econômica, o peso político do
setor deveria ser motivo para que ele tivesse prioridade na gestão petista desde o início
do mandato, até mesmo tendo em vista o recente comprometimento de suas lideranças
com o governo de Bolsonaro. Sempre é bom lembrar que a base no Congresso é de uma
fragilidade conhecida, o que sempre deixa o governo em situação delicada na hora de
fazer avançar questões de seu interesse. No caso da poderosa bancada do agro, a
relação nunca foi tão ruim — e pode piorar ainda mais. Nas palavras de um deputado
ruralista, apropriando-se da metáfora usada pelo presidente sobre a expectativa sobre a
colheita: “Se Lula plantar vento, vai colher tempestade”.
*Com Infamações da VEJA